quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Falta de congruência externa da decisão e a coisa julgada

(Questionamento feito no curso de pós-graduação em processo civil UNIDERP/LFG/IBDP - Nota 9,0)

Em determinada ação, Ângela formula contra Carlos pedido contendo, apenas e tão-somente, condenação de lucros cessantes e danos emergentes. Na sentença, que vem a transitar em julgado, o magistrado concede lucros cessantes e não concede danos emergentes e nem danos morais, que, aliás, repita-se, não foram pedidos. Pode o pedido de danos morais ser (re)formulado perante o Poder Judiciário em sede de apelação ou em outra demanda autônoma? Há necessidade de ação rescisória anterior, para que o pedido de danos morais seja feito, porque caso os danos morais tivessem sido concedidos, se trataria de sentença extra petita, e, portanto nula, pois teria ofendido os arts. 128 e 460 do CPC. E se, ao contrário, o juiz não decidisse pedido formulado e a decisão (incompleta) transitasse em julgado? (Caso o autor tivesse formulado pedido de danos emergentes, lucros cessantes e dano moral, e o juiz só tivesse apreciado os dois primeiros pedidos.) Haveria necessidade de ação rescisória para desconstituir sentença infra petita, antes que o pedido não decidido fosse reformulado?

O pedido pode ser formulado perante o Poder Judiciário em outra demanda autônoma, pois a causa de pedir do dano moral é independente da dos demais pedidos. A possibilidade da propositura de nova demanda deriva da natureza autônoma do dano moral, da litispendência somente ocorrer quando todos os elementos da demanda são iguais e dos efeitos da coisa julgada tornarem imutável apenas a matéria levada à juízo.

O dano moral é pedido materialmente autônomo[1] por possuir natureza jurídica diversa do lucro cessante e dos danos emergentes (art.5º V e X da CF c/c art.186 do CC). O primeiro é a compensação por abalo à honra subjetiva do requerente, o segundo e o terceiro são reparações advindas do prejuízo sobre o patrimônio material do indivíduo. A causa de pedir do dano moral é objetivamente diferente, não gerando a litispendência quando formulada em demanda autônoma.

A litispendência ocorre quando se repete ação que possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido[2] (art.301, §§1º e 2º do CPC). Como a causa de pedir da compensação do dano moral é diferente da de reparação do dano patrimonial, por não existir identidade integral entre os elementos objetivos da demanda[3], não há a litispendência não gerando a extinção do processo sem resolução do mérito[4] (art.267,V do CPC), assim, possibilitando a propositura de nova demanda com o pedido não formulado.

A eficácia preclusiva da coisa julgada apenas incide sobre as matérias apreciadas pelo judiciário no dispositivo da decisão[5], o qual deve possuir congruência[6] com os elementos da demanda (art.128 c/c art.460, ambos do CPC), assim, causa de pedir não levada à cognição do judiciário pode ser proposta em demanda autônoma.

Todavia, o pedido de compensação do dano moral não pode ser “formulado” no recurso de apelação feito ao Tribunal. O efeito devolutivo da apelação, em regra, apenas possibilita o reexame de questões já suscitadas no processo e a análise de questões de ordem pública[7]. Aplica-se no caso a proibição ao ius novorum[8] impossibilitando a parte de pedir no juízo de apelação o que não pediu no juízo a quo.

Existindo decisão extra petita com capítulo tratando acerca dos danos morais, não há empecilho para que essa matéria seja (re)proposta ao poder judiciário, independente de propositura prévia da ação rescisória.

A decisão extra petita é aquela que possui um vício de congruência com um elemento da demanda, dispondo acerca de “(i) uma espécie de provimento ou uma solução não pretendidos pelo demandante, (ii) um fato não alegado nos autos ou (iii) um sujeito que não participa do processo”[9]. Na decisão extra petita o juízo manifesta-se sobre algo que não foi pedido, inexiste demanda, logo, inexiste um pressuposto de existência do processo sendo óbice à formação da coisa julgada material[10] (art.468 do CPC). Ademais, por não existir processo nem coisa julgada material, não há sequer motivo para que a nova demanda seja extinta sem resolução do mérito (art.267,V do CPC).

Ato contínuo, quando o juiz deixa de analisar uma questão principal (pedido de compensação por dano moral), o capítulo referente a esta questão principal será considerado como inexistente[11]. A decisão infra petita é insuscetível de gerar coisa julgada material, isso ocorre devido à inexistência de uma decisão de mérito sobre o pedido formulado[12]. Assim, é perfeitamente possível que se formule nova demanda pedindo a compensação por danos morais, sem a necessidade da propositura da ação rescisória.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Carlos Roberto.Responsabilidade Civil.9.ed.São Paulo: Saraiva, 2006.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10.ed.São Paulo: RT,2008.

DIDIER JR., Fredie.Curso de Direito Processual Civil. v.1.9.ed. Salvador: JusPODIVM, 2008.

DIDIER JR., Fredie et al.Curso de Direito Processual Civil. v.2.2.ed. Salvador: JusPODIVM, 2008.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Curso de Direito Processual Civil. v.3.5.ed. Salvador: JusPODIVM, 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil.v.3.3.ed.São Paulo: Malheiros,2003

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Mecanismos de impugnação da coisa julgada no Processo Civil Brasileiro. Material da 1ª aula da disciplina Recursos e Meios de Impugnação, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG.



[1] GONÇALVES, Carlos Roberto.Responsabilidade Civil.9.ed.São Paulo:Saraiva,2006.p.576-579; RJTJSP, 123:159; RT, 641:182; 1º TACSP, 2a Câm., Rel. Barreto de Moura Ap.428.948/90-SP, j.14-2-1990.

[2] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10.ed.São Paulo: RT,2008.p.569

[3] DIDIER JR., Fredie.Curso de Direito Processual Civil. v.1.9.ed. Salvador: JusPODIVM, 2008.p.170

[4] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op.cit.p.503

[5] DIDIER JR., Fredie et al.Curso de Direito Processual Civil. v.2.2.ed. Salvador: JusPODIVM, 2008.p.561; NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10.ed.São Paulo: RT,2008.p.682

[6] DIDIER JR., Fredie et al. op.cit.p.283; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil.v.3.3.ed.São Paulo: Malheiros,2003. p.274

[7] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Curso de Direito Processual Civil. v.3.5.ed. Salvador: JusPODIVM, 2008.p.102

[8] DIDIER JR., Fredie CUNHA, Leonardo José Carneiro da . op.cit.p.126

[9] DIDIER JR., Fredie et al.Curso de Direito Processual Civil. v.2.2.ed. Salvador: JusPODIVM, 2008.p.287

[10] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10.ed.São Paulo: RT,2008.p.682

[11] DIDIER JR., Fredie et al.op.cit.p.290; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Mecanismos de impugnação da coisa julgada no Processo Civil Brasileiro. Material da 1ª aula da disciplina Recursos e Meios de Impugnação, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG. p.13.

[12] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op.cit.p.682